Arquivo Milk Shake



Em 1988 a produtora Márcia Ítalo me convidou para ser o roteirista de um novo programa musical da rede Manchete. O programa marcaria o lançamento da nova estrela da casa, Angélica, então com 15 anos. Era o início de uma das épocas mais divertidas da minha vida profissional.

O programa havia sido criado pela Márcia e pelo diretor artístico da rede Manchete, Jayme Monjardin. A equipe era perfeita e harmônica, com Marcelo Zambelli na direção, Duda Anysio na produção musical, Sandra Klar na produção, e tantos outros (que serão lembrados mais adiante).


Milk Shake nasceu livre. Para anunciar as atrações musicais, valia tudo. Artista apresentando artista, dublagens com personalidades mundiais, quadros cômicos, etc. Numa segunda fase o programa passou a ser temático. Uma semana era um tribunal, na outra era um zoológico, na outra uma festa de Natal, e assim por diante.  Não havia limite. Tanto que produzimos até um Milk Shakespeare, onde os artistas eram apresentados com trechos de suas peças. A Angélica se revelou uma grande apresentadora e uma atriz cômica de grande potencial.

Guardei algumas poucas fitas VHS dessa época. Depois passei essas gravações para DVD, e agora estou disponibilizando o que tenho no YouTube. Como o acervo da Manchete está sendo destruído, tento aqui fazer minha parte mantendo viva a memória de um tempo feliz e criativo da TV brasileira.

Não vou dar upload em programas inteiros, mas de clipes dos musicais.  É uma seleção pessoal, onde procurei juntar o que houve de mais ousado, divertido e criativo no Milk. Revendo esses vídeos eu me lembro o quanto foram divertidos os anos de Milk Shake. Não me recordo de um único momento desagradável com a equipe do programa. E ainda tive o privilégio de conhecer pessoalmente dezenas dos mais importantes músicos populares do Brasil naquela época.

Milk Shake é uma história de alegria, minha e de todos os envolvidos. Virou um dos campeões de audiência da Manchete. O tempo no ar foi de duas horas para três e havia planos de esticar para até cinco horas no ar! 

É doloroso saber que todas as gravações originais de Milk Shake provavelmente estejam destruídas. Tenho a esperança e a fé de imaginar que foram poupadas. 




Como se pode conferir pela imagem, Ed Motta era muito, muito jovem quando participou pela primeira vez do Milk Shake. (Tinha 17 para 18 anos). Ainda assinava como Ed Motta & Conexão Japeri. Mas já encarava as câmeras de um jeito exibido, no estilo do seu tio Tim Maia. Aquele era seu primeiro disco, lançado em 1988. 



Ed Motta escolheu seu clássico instantâneo "Vamos Dançar" para apresentar no Milk. A música é dele e de Rafael Cardoso:


"Eu não nasci pra trabalho
Eu não nasci pra sofrer
Eu percebi que a vida
É muito mais que vencer
Já dirigi automóveis 
Já consumi capital
Já decidi que o dinheiro 

Não vai pagar, não vai pagar 

a minha paz
Vamos dançar lá na rua
Vamos dançar pra valer

Vamos dançar enquanto é tempo

Nos aplicar a viver"



Como acontecia normalmente no Milk Shake a apresentação foi em playback. Ou seja, a produção tocava o disco e a banda dublava. Mas foi nesse dia que eu conheci finalmente
Bombom, o baixista
 o segundo astro desta gravação, o baixista que atende pelo nome de Bombom. Faziam parte ainda da Conexão Japeri: Fábio Fonseca (teclados), Luiz Fernando (guitarra),
Marcelo Pereira (bateria) e Fran Bouéres (percussão).



É bom lembrar que em 1988 isso era funk, e não o "pancadão" que tragicamente começou a ser chamado de "funk" e até hoje rouba seu nome.  O vídeo tem a marca da direção de Marcelo Zambelli - pequenos toques sonoros,  edição criativa, clima de festa no palco e na plateia.






Marcia Italo Os lançamentos desciam pela rampa, nesse dia Sandrinha me chamou dizendo que o "lançamento" (entenda Ed Motta), não queria descer a rampa. Fui até lá e rimos muito pois ele confessou temer que a rampa podia não aguentar! Tudo bem. Angélica anunciou lá de cima da rampa e ele já começou no palco.


Adelaide (Lourdinha) e sua mão amarela.
Se fosse produzido hoje, este vídeo iria provocar processos penais em cima de todos os envolvidos. Nessa triste época de correção política extremada em que vivemos, este clipe é um retrato de uma era mais livre e menos chata. 

Paulinho Moska
Os artistas convidados do Milk Shake eram os Inimigos do Rei. Eles eram remanescentes do grupo vocal Garganta Profunda, só que bem mais esculachados. Um dos seus membros, Paulinho Moska depois seguiu uma carreira "séria" na MPB.  

"Adelaide" é uma versão de "You Be Illin'", do grupo de hip-hop Run-DMC. Essa versão fala de Adelaide, uma anã paraguaia. O que nos dias de hoje já pode ser classificado como preconceito duplo, contra mulheres e contra deficientes. A letra consegue encaixar três apelidos "ofensivos" em uma única estrofe: "salva vida de aquário", "piloto de autorama" e "pintora de rodapé".

A produção do Milk Shake escalou para essa apresentação a atriz Lourdinha, que fez o papel de Adelaide. Hoje, seria tratada como mais uma vítima do desrespeito machista ou coisa parecida.

É só assistir ao clipe para ver como Lourdinha se divertiu e brilhou no palco do Milk Shake. Não só não se sentiu "humilhada", como passou a ser uma das estrelas do elenco fixo do programa. Ou seja, o Milk estava (em 1989) muito à frente do seu tempo em matéria de inclusão.
- DM

PS - Infelizmente o som desta gravação está meio precário. Mas 0 clima de farra está intacto.


Inimigos do Rei: 
Formação atual: Marco Lyrio (guitarra), Marcelo Crelier (baixo),  Marcelo Marques (bateria)
Ex-integrantes:  Paulinho Moska (voz), Luiz Nicolau (voz), Luiz Guilherme (voz), Lourival Franco (teclados)

Fonte: Wikipedia




Adelaide Minha Anã Paraguaia


Andava na rua à noite totalmente só

Vez ou outra via coisas em bancas de jornal

Pensava na gaja, sem motivo me deixou

Quando de repente ouvi alguém pequeno gritaire

Qualquer cola? Poesia? Mariola? Quem vai?

Ah! Quem vai?

E perguntei a ela: O que fazes aqui? Hein, hein?
Ela disse, faminta: Tentando te esquecer!
Não faça teatro, chegue perto de mim
Qual tal irmos pr'um boteco assar um javali?
Um javali? Ha! Ha! Ha!, gritei!
Ha! Ha! Ha! Ha!

Adelaide! Minha anã paraguaia
Adelaide, minha anã (digdigdim)
Adelaide! Minha anã paraguaia
Adelaide, minha anã

Digue miúda: Porque me tratas assim?
Se você é uma geladeira eu posso ser o seu pinguim
Dançaremos baixinho lá no jardim de alá
E ela diz: Vê se te manca rapaz, você é alto demais!
Alto demais!

Adelaide! Minha anã paraguaia
Adelaide, minha anã (digdigdim)
Adelaide! Minha anã paraguaia
Adelaide, minha anã

Naquele dia nós brigamos, você me irritou
Soltaste aquele pum no elevador
E todo mundo disse: Eu acho que foi ela!
E você se entregou mostrando sua mão amarela

Adelaide! Minha anã paraguaia
Adelaide, minha anã (digdigdim)
Adelaide! Minha anã paraguaia
Adelaide, minha anã

Oh Menina! Vê que tu me fez
Eu te jogo confete e você me cospe outra vez
Sim, eu jogo basquete e sou português
Você não é Cláudia Raia
É apenas a minha

Adelaide! Oh, minha anã paraguaia
Adelaide, minha anã (digdigdim)
Adelaide! Minha anã paraguaia
Adelaide, minha anã

Ah, ah, ah
Ah, ah, ah, ah

Adelaide! Oh, minha anã paraguaia
Adelaide, minha anã

Ah, ah, ah
Ah, ah, ah, ah

Adelaide, minha anã paraguaia
Adelaide, salva vida de aquário
Adelaide, piloto de autorama
Adelaide, pintora de rodapé

Adelaide! Minha anã paraguaia
Adelaide, minha anã



O carioca Sérgio Augusto Bustamante está com 85 anos e é provavelmente o roqueiro mais antigo do Brasil. Sua vida é uma lenda, ele já foi comissário de bordo, bancário, estava no festival de Woodstock em 1969, ficou amigo de Janis Joplin, virou cantor oficial dos Hell Angels brasileiros. Seu nome artístico foi dado por um amigo russo que não sabia pronunciar "Sérgio" direito.

Sua passagem pelo Milk Shake (com a Última Banda) foi puro rock and roll em estilo Chuck Berry. Seu jeito meio Mick Jagger fez a festa da platéia. O tema do programa era Jovem Guarda, e Serguei deu um jeito de se encaixar nessa classificação.

Hoje - segundo a Wikipedia - Serguei mora em Saquarema, sua casa foi transformada no Museu do Rock "constituído com peças de roupas, discos, prêmios, livros, cartazes, filmes em VHS e outros materiais sobre a vida do cantor".



"Rock do Papai"
(Serguei)

Era um bom menino que um dia sonhou
Em ver o seu pai dançando rock n' roll
Comprou uma guitarra e começou a dedicar
Todo o seu tempo só pra ver seu pai dançar
Tocou samba, tocou jazz mas não adiantou
Até que um belo dia o pai gritou 

Toca, toca, toca Rock n' Roll
Toca, toca, toca Rock n' Roll
Toca, toca, toca Rock n' Roll
Toca, toca, toca Rock n' Roll 

Foi um grande susto que o menino levou
Quando viu seu pai dançando rock n' roll
Formou a sua banda e fez questão de colocar
Seu velho nos vocais e começaram a ensaiar 
Mas ensaiaram tanto que o coroa pirou
No meio do pagode ele gritou 

Toca, toca, toca Rock n' Roll
Toca, toca, toca Rock n' Roll
Toca, toca, toca Rock n' Roll
Toca, toca, toca Rock n' Roll 

A casa do menino agora está tão diferente
Com um pai tão porra louca
Qualquer um fica contente
É festa todo dia, não era sacanagem
Seu pai dançava nu la na garagem 

Toca, toca, toca Rock n' Roll
Toca, toca, toca Rock n' Roll
Etc




Na sua fase inicial o Milk Shake tinha no palco uma Tribuna, inspirada no Hyde Park de Londres. Qualquer artista podia subir na tribuna e dizer o que quisesse, desde que fosse rápido e com algum senso de humor.

Evandro Mesquita havia conhecido um grande sucesso no teatro com "Asdrubal Trouxe o Trombone" e estourou nas paradas com o Blitz. Depois começou uma carreira solo que não foi tão bem sucedido quanto a da Blitz. Foi na época do Milk Shake.



Evandro topou subir na Tribuna Milk Shake e começou imitando o presidente da época, José Sarney, com seu inevitável "brasileiros e brasileiras". E então embalou com um discurso ecológico muito bem humorado que caiu muito bem para o programa. Este clipe mostra só o início e o fim do discurso.

Em seguida mandou ver com seu "Andar no Céu", um reggae com batida de capoeira que levantava a platéia do Milk toda vez que o Evandro aparecia.



Andar no Céu
(Evandro Mesquita)

Andar no céu 
Com o pé no chão 
Viver além da imaginação

Quantas faces tem um dado 
Quantas caras tem você? 
Que mistérios tem seus olhos 
É mais que pintura a óleo 
É Van Gogh na TV

Ando meio astronauta 
Quase sempre tubarão 
Sei que o mar não tá pra peixe 
Esse papo tá baleia 
Isso é filme ficção

Em mil bocas me meti 
Entre beijos e chicletes 
Tantas terras descobri 
Só com um grampo e um canivete 
E aprendi a não desistir

Nunca se entregue 
Mantenha a sua fé 
Com o pé no chão 
Viver além da imaginação

Andar no céu 
Com o pé no chão 
Viver além da imaginação




Eu considero um dos melhores momentos do Milk Shake. Tudo funcionou nesta apresentação - a música, a coreografia, a dublagem, a performance. E além disso eles tinham a Marisa Orth. 
Eu me lembro de descer antes da gravação até o camarim para conversar sobre a entrada deles no Milk. A Marisa sugeriu que o roteiro estava mais interessado na beleza das meninas do que em suas qualidades artísticas. Fiquei com cara de bobo - ela tinha razão! Mas eles fizeram o sketch com a Angélica numa boa. E no início da apresentação, a Marisa Orth diz "agora vai", o que indica que provavelmente uma tentativa anterior não deu certo.

O panorama musical de São Paulo nesse início da década de 1990 estava fervendo com artistas experimentais, ousados, atrevidos, cheios de personalidade e as melhores influências. E o Milk Shake abria suas portas para esse pessoal "alternativo". 

"The Best", além da letra muito engraçada, mostra o que é funk de verdade. Segundo a
Wikipedia, o Luni era formado por "Marisa OrthNatália Barros, Théo Wernek, André Gordon, Fernando Figueiredo, Kuki Stolarky, Lelena Anhaia e pela dupla francesa Gilles Eduak e Lloyd Bonnemaison".

Décadas depois a mesma Marisa Orth foi estrela de uma inesquecível leitura da minha peça Capa - você pode assistir um clipe clicando aqui.


The Best
Luni

Eu sou a melhor
Eu sou e sei que sou
No que? Não vem ao caso
É uma coisa anterior

Por exemplo
Eu to aqui
Porque eu sei que eu sou a melhor
Eu sou melhor que vocês
E não tem como não saber
Pra mim é obvio
Só pode ser
Eu só posso ser a melhor

Ela é a melhor, ela é a melhor
Ela é a melhor, ela é a melhor

Todo santo dia no cinema
Na PUC, na padaria
Por onde quer que eu vá
Todo mundo sempre diz
Ei! Lá vai ela! A melhor!

Meu nome é Bárbara
Eu sou super legal
Desde pequeninha
Eu sempre fui genial

Meu nome é Divina
Desde que nasci
Beleza, charme e graça
É o que não falta aqui

Em toda escola que eu entrei
Sempre fui a inteligente
Todo homem que eu transei
Eu sempre fui a mais quente

Minha escola é a rua
Sempre me dei bem
Brilho tanto quanto a lua
Não preciso de ninguém

Essa banda aí atrás
Fica só me acompanhando
Na verdade tanto faz
Pois sou eu que tô brilhando

Se você ainda duvida
Tá na minha testa
É uma coisa merecida
Pra que ser modesta

Eu canto melhor
Eu falo melhor
Eu sonho melhor
Eu sofro melhor
Eu subo melhor
Eu desço melhor
Eu erro melhor
Meu beijo é melhor

Eu sou a melhor! Eu sou a melhor!

I'm the best! Say what?
I'm the best! I'm the best!
I'm the best, I'm the number one!
I'm the King, I'm the only one!

Eu sou melhor, eu sou o número 1!
Eu sou o rei, melhor que qualquer um!

I'm the best!
I'm the best! I'm the best!




Não bastava ao Milk Shake ser um programa tão divertido de ser escrito e de participar de suas gravações. A gente tinha algo a mais para curtir.

Toda semana eu era convocado a passar alguns minutos no estúdio de sonorização da rede Manchete. Lá eu encontrava meu amigo  (e diretor do programa) Marcelo Zambelli e o técnico de som,Walmir Bento. À nossa disposição estava uma seleção de clipes do departamento de Jornalismo da rede Manchete. Em cada um deles, uma personalidade mundial dava uma entrevista ou declaração.

Então a gente escolhia alguns trechos e dublava cada um dos clipes fazendo com que grandes personalidades da época (início da década de 1990) anunciasse as atrações do Milk Shake.

Eu fazia a maioria das vozes, dirigido pelo Zambelli. Com o tempo, passamos a ter personagens "fixos". Mikhail Gorbachov, o primeiro ministro da União Soviética, por exemplo, apresentava sempre o cantor Nico Rezende. Já o Sting fazia qualquer coisa para chegar perto da Adriana, uma das cantoras "bregas" do programa. (Numa das dublagens abaixo, quem faz a voz do entrevistador de Sting é o produtor musical Duda Anizio).

O presidente Ronald Reagan era o fã número um de Angélica. E até o aiatolá Khomeini aparecia para elogiar as pernas de Elba Ramalho. A gente gozava de todo mundo por igual. Neste clipe, a maior parte das vozes é feita por mim, exceto a da rainha Elizabeth, interpretada pelo Marcelo Zambelli.

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